28 de julho de 2010

Irlanda mundial

    As irlandesas ilhas Blasket estão desabitadas há 50 anos. Desabitadas de homens e crianças, e de mulheres. Apenas Sue Redican, de Wales, vive hoje - da primavera ao outono - na maior e mais distante destas ilhas.
     É ela, à procura da tranqüilidade, que afirma (http://www.spiegel.de/reise/europa/0,1518,706455,00.html) que a ilha foi evacuada em 1953 - ano de meu nascimento - “particularmente porque as mulheres já não casavam para cá porque no continente havia melhores condições de vida”.
     A afirmação ligou-se, em mim, à observação de um pesquisador doutor de origem rural que afirma que nas pequenas propriedades rurais do noroeste do Estado do Rio Grande do Sul as jovens já não ligam para a propriedade de seus pais, pequenos agricultores. Aliás, sequer a conhecem.
    Na Alemanha, os filhos de agricultores que permanecem no campo já não encontram com quem casar. Faltam mulheres no campo, e das urbes elas não vêm.
      Na China, proibidos de não ter mais que um filho, casais matam bebês femininos.
     Joguemos agora neste meio os termos emancipação, trabalho, igualdade, multinacional e outros chavões modernos. Em vez de jogá-los no liquidificador  ideológico, contudo, destrinchemo-los para não produzir populismo.

Pai de três amadas filhas. Quem são elas, essas seres?

19 de julho de 2010

Dias de minha vida

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ou
(Diálogo com Deus)

1967


Senhor, por que permites semelhante cruz?
Não vês que sou humano?
Acaso não vês que vacilo em seguir meu caminho?
Por quê?
Por que tamanha dor?
A minha débil natureza já não pode mais!
Por ventura não vês as lágrimas de crianças inocentes,
a aflição de um pai, mergulhado em confusão e dores?
Não vês os filhos?
Ouve-lhes as lamentações,
o choro pela mãe perdida!
São crianças que não podem viver sem mãe!
São crianças com coração de carne!
Crianças que gostariam de ter ainda mãe,
mas que, agora, nem esperança da volta possuem.
Sabem que a morte a levou cedo.
No entanto, ficam olhando para a estrada,
a cogitar:
“Se a mãe um dia pudesse voltar...”
Eu sei, a mãe não volta mais
Nunca mais!
Jamais teremos o conforto, o consolo,
o sorriso materno
Cedo foi-nos arrebatado o carinho amável da mãe.
Duas lanças feriram o nosso coração:
a eterna despedida da mãe,
a eterna despedida do irmão.
São estas as portas que cerraram a entrada à alegria do lar.
São estas as amarguras que sufocam o coração.
Resta-nos apenas depositar flores
sobre a lousa fria da sepultura.
Resta-nos a recordação do passado feliz.
Resta-nos convencer o coração da ausência dos entes queridos.
Resta-nos aceitar o sacrifício da saudade
e encetar a senda de uma nova vida.
Resta-nos chorar o adeus.
Chorar é o que resta a um coração de carne!
Adeus!
Gratidão, oh mãe! 

Texto gentilmente cedido por um amigo. 

28 de junho de 2010

Veneração e abominação à palavra de Deus

     Não quero viver num mundo sem catedrais. Careço de sua beleza e sublimidade. Necessito-as contra o ordinário do mundo. Quero mirar a luminância das elevadas vitrais eclesiásticas; permitir-me o ofuscamento de suas cores amundanas. Necessito seu brilho. Dele preciso contra a imune e uniforme cor dos uniformes. Quero ver-me envolto da acre frescura das igrejas. Careço seu silêncio imperioso. Necessito-o contra o demente bramir no pátio nos quartéis e a engenhosa lábia dos sequazes. Quero ouvir o som sussurrante do órgão, essa inundação de sons sobrenaturais. Preciso dele contra a retumbante hilaridade da marcha. Amo pessoas a orar. Careço de sua imagem. Necessito-a contra o pérfido veneno do superficial e demente. Quero ler os poderosos verbos da bíblia. Preciso da irreal força de sua poesia. Dela preciso contra a degradação da língua e a ditadura das palavras de ordem. Um mundo sem essas coisas seria um mundo em que não gostaria de viver.
     Há, contudo, outro mundo em que também não quero viver: o mundo em que se sataniza o pensamento independente e se estigmatizam de pecado coisas das melhores que podemos viver. O mundo que nos exige amor para com tiranos, torturadores e assassinos traiçoeiros, ecoando suas brutais botas atordoantes pelas ruelas ou, qual sombra covarde, andem às furtadelas pelas ruas num silêncio felino, golpeando pelas costas no coração de suas vítimas o metal cintilante.
     Perdoar tais criaturas e até amá-las é das mais absurdas exigências com os homens formuladas do alto dos púlpitos. Ainda que alguém efetivamente se habilitasse: significaria uma inédita inverdade e autonegação sem dó, que seria paga com a plena deformação. Esse mandamento, esse mandamento treslouco, perverso, do amor aos inimigos, leva as pessoas a sua desestruturação, a subtrair-lhes toda coragem e toda autoconfiança e a deixá-las maleáveis nas mãos dos tiranos para que não encontrem a força de se levantar, armados se necessário.
     Venero a palavra de Deus, pois amo sua força poética. Detesto a palavra de Deus, pois odeio sua crueldade. O amor, ele é um amor complicado, pois deve constantemente distiguir entre o poder de brilho das palavras e a verborrágica subjugação por um presunçoso Deus. O ódio, ele é um ódio difícil, pois como podemos nos permitir odiar palavras integrantes da melodia da vida nesta parte do globo? Palavras com que desde cedo aprendemos o que é veneração. Palavras que nos foram qual faróis quando começamos a sentir que a vida visível toda vida não pode ser? Palavras sem as quais não seríamos o que somos?
     Não esqueçamos, porém: são palavras que a Abraão exigem matar como um animal a seu próprio filho. O que fazemos com nossa ira ao ler isso? Que pensar de um Deus desses? Um Deus que acusa Jó de ralhar com ele, sendo incapaz e negligente? Afinal, quem foi que assim o criou? E por que é menos injusto Deus jogar alguém, sem razão, na calamidade do que um mortal comum o fazer? Não tem Jó toda a razão à queixa?
     A poesia da palavra divina, ela é tão avassaladora que tudo silencia convertendo toda objeção em lamentoso ganido. É por isso que não dá para simplesmente deixar de lado a bíblia, é preciso jogá-la quando nos cansamos de seus atrevimentos e da servidão que nos inflige. Fala-nos dela um Deus distante, sem graça, que pretende reduzir a um único inextensível ponto de obediência a imensa vastidão da vida humana - o grande círculo que consegue descrever ao lhe permitirem a liberdade. Curvo de pesadume, pecador carregado, árido da sujeição e da indignidade da confissão, a marca das cinzas atestadas, devemos ir ao encontro da cova na esperança, milhares de vezes desmentida, de uma vida melhor ao Seu lado. Como, porém, poderia ser melhor ao lado de Alguém que antes nos privara das felicidades e liberdades?
     Apesar disso, são de ludibriante beleza as palavras que Dele provêm e a Ele vão. Quanto as amei enquanto acólito! Como embebedaram-me à luz das velas do altar! Como parecia claro serem essas palavras a medida de todas as coisas! Quão incompreensível pareceu-me que ainda outras palavras eram importantes às pessoas quando cada uma delas podia significar apenas abominável distração e perda do maior! Ainda hoje detenho-me ao escutar um canto gregoriano, e num momento descuidado entristeço pela minha antiga embriaguez, irremediavelmente transformada em rebelião. Rebelião que se me ejetou ao escutar pela primeira vez as duas palavras: sacrificium intellectus.
     Como devemos ser felizes sem curiosidade, sem perguntas, dúvidas ou argumentos? Sem alegria no raciocínio? As duas palavras, qual golpe de espada que nos decapita, nada menos significam do que a exigência de viver nosso sentimento e nosso agir contra nosso pensar; são a conclamação a abrangente divisão; a ordem de sacrificar exatamente o cerne de qualquer felicidade: a unidade íntima e coerência de nossa vida. O escravo na galera, ele está acorrentado, mas pode pensar o que quiser. Mas o que Ele, nosso Deus, nos exige é que pelas nossas próprias mãos aprofundemos a escravidão às nossas mais profundas profundezas, e ainda que o façamos voluntariamente e na felicidade. Deboche maior pode haver?
     O Senhor, em sua onipresença, é alguém que dia e noite nos observa, toda hora, todo minuto, todo segundo registra nosso agir e pensar, quando poderíamos ficar todo a sós. O que é uma pessoa sem segredos? Sem pensamentos e desejos que somente ela, ela bem sozinha, conheça? Os torturadores, os da inquisição e os atuais, sabem: corte-lhe o recuo à intimidade, nunca desligue a luz, nunca o deixe só, impeça-lhe sono e silêncio. Falará. Que a tormenta nos furta a alma significa: destrói a solidão conosco mesma, que nós precisamos qual o ar para respirar. O Senhor, nosso Deus, nunca cogitou que nos furtaria a alma com sua repugnante curiosidade e seu voyeurismo, alma, aliás, que seria eterna?
     Quem, na verdade, gostaria de ser imortal? Quem gostaria mesmo de viver por toda a eternidade? Como deveria ser tedioso e insosso saber: não interessa o que acontece hoje, neste mês, neste ano: ainda virão dias, meses, anos inúmeros. Infinitos, literalmente. Algo ainda importaria se assim fosse? Já não precisaríamos contar com o tempo, nada teríamos a perder, não teríamos motivo para a pressa. Seria igual se algo fizéssemos hoje ou amanhã, absolutamente sem importância. Milionárias negligências seriam um nada perante a eternidade, e não faria sentido lamentar algo, pois sempre restaria tempo para recuperá-lo. Sequer viver à toa poderíamos, pois essa felicidade nutre-se da noção do tempo que escorre; o boêmio é um aventureiro à face da morte, um cruzado contra o ditado da pressa. Se sempre e em todo lugar houver tempo para tudo: onde restaria um espaço para a felicidade no desperdício de tempo?
     Uma sensação já não é a mesma quando surge uma segunda vez. Descora pela percepção de seu retorno. Cansamos de nossos sentimentos, fartamo-nos quando aparecem em demasia e demais persistem. Na alma imortal teria que brotar um gigantesco ócio e um berrante desespero diante da segurança de que nunca terminará, nunca. Sentimentos querem se desenvolver, e nós com eles. São o que são porque repelem o que uma vez foram e porque fluem em direção a um futuro em que voltarão a se distanciar de si mesmos. Se esse fluxo seguisse à eternidade: em nosso íntimo teriam que surgir milhares de sensações que, acostumados com o tempo palpável, nem podemos imaginar. De modo que nem sabemos o que nos está sendo prometido quando ouvimos da vida eterna. Como seria sermos nós eternamente, isentos do consolo de um dia sermos remidos da instância de sermos nós? Não o sabemos, e é uma bênção nunca o sabermos. Pois uma coisa efetivamente sabemos: seria o inferno, esse paraíso da imortalidade.
     É a morte que atribui a beleza ao momento e seu terror. Somente pela morte o tempo é um tempo vivo. Por que o Senhor não o sabe, o Deus onisciente? Por que nos ameaça com o infinito, que teria de significar um insuportável ermo?
     Não gostaria de viver num mundo sem catedrais. Preciso do brilho de suas janelas, de seu fresco silêncio, seu silenciar imperador. Preciso das marés de seu órgão e da sacra devoção de homens a orar. Preciso da santidade das palavras, da grandeza da grande poesia. Preciso de tudo isso. Nem menos, porém, preciso da liberdade e da inimizade contra todo o cruel. Pois nada é um sem o outro. E ninguém me obrigue à escolha.

Veneração e abominação à palavra de Deus é o título do trecho, dado pelo próprio personagem.
Fonte: Nachtzug nach Lissabon, de Pascal Mercier, 2006. Tradução não autorizada.

27 de junho de 2010

O 1º de abril de 1964 em Dois Irmãos - RS


Artigo gentilmente  cedido pelo autor
Prof. h. c. Heinz F. Dressel P. em.
Düsseldorfer Str. 43
90425 Nürnberg


     Na páscoa do ano de 1964 (29 de Março) quase todo mundo esperava um evento grave na vida da nação.
     Apesar de preparados, ao tomarmos conhecimento pela Rádio Gaúcha, na terça-feira, 31 de março, pelas 22 horas da noite, que as tropas do general   Morão estavam marchando de Belo Horizonte rumo à cidade do Rio de Janeiro, ficamos profundamente chocados. Até as 2 horas da madrugada sempre novas notícias alarmantes. 
     Na minha agenda profissional do ano de 1964 encontra-se uma anotação sublinhada a lápis vermelho: GOLPE DO ESTADO DE MINAS GERAIS.
     O 3º Exército, responsável pela segurança da região sul do país, havia imediatamente colocado suas "tropas táticas" ao longo da BR-2, artéria principal do trânsito entre os Estados do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina, como medida de proteção do território do Estado de Rio Grande do Sul.
     No dia 2 de abril anotei na agenda:
7 horas: fala Meneghetti.
golpe da esquerda
interdição da comunicação pelos meios de informação
começo da "Legalidade 2, Brizola"
     Imediatamente após uma proclamação do governador riograndense Ildo Meneghetti começou a falar o general Ladário Teles. Depois o Brizola declarou a “2ª LEGALIDADE" - o segundo movimento em prol do respeito à legalidade do governo, ou seja, ao Presidente da República, João Goulart.
     O presidente João Goulart havia providenciado a presença do general Ladário no Estado do Rio Grande do Sul para de que fossem devidamente defendidas as instituições legais. Acontece que o general Galhardo, até então chefe do 3º Exército, havia sido deposto, que a posição política dele não estava suficientemente clara. Depois de deposto, viajou ao Rio. Brizola mandou ocupar as rádios e emissoras de TV. 
     Até às 10 horas da manhã vigeu uma interdição de comunicação pelos meios de informação. Pontualmente às 10 horas o general Ladário mandou promulgar uma mensagem dirigida à população de toda região militar circunscrita ao 3º Exército, ou seja, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná.
     A „Brigada Militar", um contingente da Polícia Militar, subordinada ao governo do Estado de Rio Grande do Sul, foi integrada ao exército nacional -  ordem que provocou o imediato protesto do Governador do Estado Ildo Meneghetti, que havia transferido a sede do governo para Passo Fundo.
     O general Ladário declarou sua disposição de lutar em favor do restabelecimento da lei e ordem em todo território da república com palavras como:
"O poder satânico dos privilégios não conseguirá de novo tirar a bandeira das reformas das mãos do povo. Para este povo lutaremos unidos, exército e povo juntos … Tenho certeza e confiança de quenossa causa é santa e que ninguém nos pode roubar a vitória, que é nossa."
     Em seguida falava Leonel Brizola com a intenção de conjurar o mito dos „grupos dos onze". Um de seus admiradores em Dois Irmãos havia-se aproximado de mim dias antes, na sexta-feira-santa, avisado: "Os militares em São Leopoldo estão bem informados sobre sua posição política!" Parece, que o departamento de inteligência militar havia funcionado de forma excelente (o chefe do 19º regimento de infantaria, tenente Coronel Oswaldo Nunes era conhecido como admirador do governo do Jango.) O quartel estava em prontidão a aguardar ordens. Neste meio tempo examinou-se as reservas de armas e munição estocados na 3ª região militar com o resultado de que havia 20.000 armas de fogo mais 6.000.000 de tiros de munição.
     Pelas 16 horas de tarde o presidente Goulart aterrisou em Porto Alegre. Em Brasília, neste meio tempo o parlamento declarou vaga a posição mais alta da República.
   No Rio Grande do Sul, o deputado Brizola, apoiado pelo chefe da 3ª regiãomilitar, chamou o povo às armas.
     O ministro de guerra, neste meio tempo, enviou tropas rumo à região sul do país.
     O governador Meneghetti, com sede provisória em Passo Fundo, anunciou a marcha de uma tropa de 5.000 homens, reforçados por um contingente de voluntários, rumo a Porto Alegre, apelando ao general Ladário que este reconhecesse a realidade e evitasse qualquer derramamento de sangue inocente. 
     Na tarde daquele dia, antes de Goulart embarcar e deixar o país, acompanhamos num aparelho de rádio transistor nas mãos o famoso comício na Praça da Prefeitura em Porto Alegre. Brizola instigou os suboficiais e sargentos a atacarem seus oficiais – "e seja à unha" - caso estes não aceitassem a liderança dele nesta luta. Neste caso os sargentos deveriam assumir o comando da tropa, afim de garantir a vitória da causa nacional
     Brizola anunciou a formação de uma "milícia popular". Cada vez que mencionava o nome do governador Meneghetti e dos "conservadores", a multidão gritava: "paredão, paredão!"
     Durante a noite seguinte resolvi fazer tudo a meu alcance para impossibilitar qualquer tipo de confrontação nos limites de minha paróquia de Dois Irmãos. Queria tentar evitar situações em que, por exemplo, jovens inocentes se deixassem atrair pela idéia de formar um grupo desta "milícia popular". Resolvi fazer tudo que possível para evitar que entre esses colonos, naquela época politicamente pouco esclarecidos, fosse derramado sangue inocente (e a palavra "inocente" vem de "não ter noção de nada").
     Eu havia escutado os repetidos apelos de Brizola para formarmilícias”. Graças a meus contatos com a esquerda radical, havia tomado conhecimento da existência de lugares onde havia núcleos onde se cogitava a formação de clandestinos grupos de extremistas - armados ou ainda não armados. Fiquei preocupado ao pensar nas possíveis intenções de um amigo da casa, líder dos petebistas no lugar, mas exercendo sua profissão na capital do Estado; ele era capaz de aparecer de repente em Dois Irmãos com a idéia de formar um destes grupos. Tive conhecimento de que em outras cidades estavam ocupadas prefeituras e emissoras de rádio por tais grupos. Até hoje não se sabe com exatidão o número destes "grupos dos onze" existentes neste Brasil, mas é  fato mesmo que o apelo do Brizola foi ouvido em praticamente todos os Estados da República e não apenas no Rio Grande do Sul. A repercussão também em círculos do PCB, inclusive em grupos de dissidentes do PCB - e não apenas no PTB - era surpreendente.
     Calculei que Jango talvez pudesse se manter em Porto Alegre por mais ou menos duas semanas ao máximo. Esta avaliação me motivou no dia 2 de abril a procurar o prefeito para falar com ele sobre a situação atual do país. Perguntei quem nesta situação caótica governava de fato: o governador encontrava-se "incomunicável" em Passo Fundo, o Brizola na capital do Estado, aproveitando-se dos meios de comunicação indispensáveis; perguntei, então, quem era que de fato governava, e quem governava em nosso município de Dois Irmãos: o prefeito ou, quem sabe, o delegado de polícia da localidade (que era admirador fervente do Brizola)? E, perguntei, quem é que governava o Estado de Rio Grande do Sul - o Meneghetti, o João Goulart, ou Leonel Brizola com o 3º Exército?
     A resposta do homem revelava o real tamanho da confusão e do medo do clássico cidadão humilde e obediente da zona rural ou semirural: "Quando o pessoal em Porto Alegre manda ordens, somos obrigados de cumprir as ordens que deles recebemos." O prefeito continuou falando lamentando: "Nunca antes passamos por uma situação destas, é a primeira vez em toda minha vida! Não sei o que eu devo fazer. Na outra vez, em 1961, durante o Primeiro Movimento da Legalidade, eles haviam nos mandados instruções da capital do Estado." Respondi: "O senhor não é comunista e eu o sou tampouco, e também os nossos colonos não são. A Igreja Católica ainda não se manifestou, mas ela também não defende a bandeira comunista, por isso não devemos permitir que uma minoria eventualmente produza caos e desordem neste município; não devemos permitir que venha uma minoria com o propósito de pôr os moradores em armas arriscando que corra sangue inocente num embate irracional. Por isso temos o dever de impor as regras do jogo e proibir que alguém apareça na rua armado. Quem vai à rua com uma arma na mão vai para a cadeia!”
     O prefeito ficou contente com a orientação recebida e fez apologias por motivo de sua inexperiência, e disse que a atual situação significava para ele algo completamente novo e desconhecido. Depois disso perguntou-me: "Como vou aplicar na prática este conceito que ora discutimos?" Aconselhei que evitasse discutir o assunto com o chefe da polícia, que apenas o visitasse e declarasse o mesmo que declarou o prefeito de Porto Alegre, Sereno Chaise, durante aquele comício da Praça da Prefeitura: "Aqui neste município sou eu quem manda e quem garante a ordem! Eu não tolero que alguém ande armado pelas ruas da cidade. Quem não obedece, vai ser preso pela polícia e marcha instantaneamente para a cadeia!"
     O prefeito me prometeu convocar ainda na mesma tarde os vereadores e convidar também os religiosos das três comunidades sediadas na cidade. Eu ainda ofereci ir com o prefeito no mesmo dia ao quartel da infantaria em São Leopoldo para conversarmos com os militares.
     Graças a deus, pelas 13.30 horas, a Radio Guaíba divulgou a notícia da decisão do presidente João Goulart de abandonar o país para evitar uma guerra civil com muitos mortos - grandeza gaúcha!
     Seja-me permitido acrescentar um episódio típico que ocorreu nos primeiros dias de abril de 1964 em Dois Irmãos:
     Alguns dias depois do golpe parou em frente à delegacia de polícia - pertinho da casa paroquialum comboio de cinco veículos: um jipe, uma van e três caminhões cheios de soldados vertidos de uniforme de combate e fortemente armados. Objetivo deles era procurar e prender comunistas. Este tipo de “blitzcom o objetivo de capturar militantes daqueles misteriosos “grupos dos onze” também em lugarejos muito remotos eram freqüentes naqueles dias pós-golpe (Direito à Memória e à Verdade, p.485)
     Na calçada e na rua à frente da delegacia, vis-à-vis do terreno da Comunidade Evangélica, estava um aglomerado de militares. Atravessei a rua e perguntei, brincando com os soldados, se porventura sua visita tinha o objetivo de gozar de um dos famosos e suculentos churrascos do lugar. Os praças não reagiram e ficaram calados.
     Neste meio tempo havia chegado à delegacia de polícia também o prefeito. Cumprimentei-o e perguntei qual seria a razão desta invasão castrense. A resposta reconfirmou exatamente o que me havia preocupado: "Eles têm ordem de caçar comunistas, todos os comunistas comprovados e subversivos que moram no município." Respondi: "Muito bem, todo mundo sabe que não tem este tipo de gente aqui." E adicionei, para o comandante da tropa ouvir: "Durante os dias da crise reinou calma absoluta nesta cidade. Além disso, o senhor prefeito havia tomado providencias para evitar qualquer perturbação da ordem."
     O prefeito, seu Walter Fleck, mais uma vez me agradeceu a assistência prestada, e os "caçadores de comunistas" foram-se rumo a São Leopoldo sem terem caçado nada e ninguém. No contexto deste episódio lembro-me ainda bem de um momento meio engraçado: o jipe do comandante se pôs em movimento depois de empurrado com muitos esforços...

18 de junho de 2010

Honduras. El regreso de Zelaya. Ainda.

Reprodução gentilmente autorizada pelo autor.
Por: Dr. Álvaro F. Albornoz P.
Doctor en Derecho Constitucional
 
En Honduras hay toda una discusión en torno al regreso del ex presidente Zelaya al país; y eso hace necesario plantear algunas consideraciones al respecto.
Una vez que Zelaya fue dejado en Costa Rica por las gloriosas Fuerzas Armadas hondureñas para evitar un mal mayor  y preservar la democracia, tal como ya fue decidido por la honorable Corte Suprema de Justicia de Honduras, el ex presidente se empeñó en regresar al territorio catracho por todas las vías posibles hasta que pudo hacerlo por vías irregulares, como ingresa el contrabando, pudiendo entrar a la Embajada de Brasil, desde donde hizo llamados a la guerra civil y a la anarquía; los cuales gracias a Dios, no fueron atendidos por el pueblo que solo quería vivir en paz y libertad.
Al no lograr sus objetivos terroristas, Zelaya pidió que lo sacaran de Honduras, petición que fue cumplida por el actual Presidente Porfirio Lobo, y fue trasladado a República Dominicana donde se aloja cómodamente con todos los lujos y privilegios propios de un huésped de honor.
Luego, Zelaya fue nombrado por el Teniente Coronel Hugo Chávez como comisionado político de PETROCARIBE, donde, según las informaciones no desmentidas que circulan por internet, percibe un sueldo de 20.000 dólares y disfruta de un avión privado, tarjetas de crédito y viáticos. Es decir, que la suntuosa vida que lleva Zelaya es financiada con el dinero que le dejan de dar a los pobres venezolanos y  que dejan de ser invertidos en hospitales, escuelas, calles e infraestructura en la hambrienta Venezuela que ni los alimentos básicos está produciendo.
Ahora el ex presidente del sombrero exige regresar a Honduras, después de haber exigido salir, pero quiere regresar sin rendirle cuentas a la justicia hondureña donde tiene pendientes varios juicios penales incoados por el Fiscal General de la República.
El comandante vaquero pretende estar por encima de la Constitución y las leyes de Honduras y todavía no se da cuenta que justamente por esa actitud que practicaba cuando era Presidente, es que fue defenestrado constitucionalmente de su cargo.
Los países comunistas de América que todavía no han reconocido al legítimo gobierno de Porfirio Lobo, exigen el retorno de Zelaya a Honduras como condición para otorgar el reconocimiento. Y ante tal petición, el Presidente Lobo accedió e incluso propuso ir a buscar personalmente a Zelaya para llevarlo a Honduras, con todas las garantías de respeto a sus derechos humanos.
Sin embargo, Mel Zelaya rechazó la proposición porque sabe que va a tener que enfrentar la justicia y responder por sus acciones. El quiere que le anulen todos los juicios sin venir a defenderse, como si eso fuese posible en un Estado de Derecho.
En definitiva, se trata de otro show del ex presidente quien no se cansa de ser el centro de atracción y quien quiere ser siempre el titular de los periódicos. En realidad, Zelaya no quiere ir a Honduras porque no le conviene.
Zelaya sabe que si entra a Honduras debe afrontar los juicios incoados en su contra, ya que existen poderes autónomos e independientes cumplidores de sus obligaciones constitucionales. Además, al ingresar, ya no podrá seguir con su “viajadera” por el mundo haciéndole daño a Honduras al inventar sus fábulas y mentiras sobre la realidad de esta nación.
El ex presidente Zelaya está consciente que no cuenta con apoyo popular ni liderazgo suficiente para poder seguir practicando la política en Honduras y que será ignorado y rechazado por la mayoría de la población y por los medios de comunicación, quienes lo consideran una mancha negra en la historia de Honduras, una página que ya se pasó, una experiencia desagradable que no se quiere repetir nunca más.
Zelaya sabe que es imposible volver al poder y quiere seguir mostrándose como un mártir por el mundo, quiere seguir viajando con el dinero de los venezolanos para despotricar de Honduras y de su gobierno. En realidad, la estrategia del comunismo internacional es desestabilizar el gobierno de Pepe Lobo y generar un clima de ingobernabilidad para favorecer los nefastos planes que tiene Chávez para Honduras.
Por más esfuerzos que haga el gobierno de Honduras para lograr el reconocimiento de estos países no lo logrará mientras estén en el poder los presidentes que hoy los gobiernan. Por eso, Honduras debe concentrarse en desarrollar y consolidar sus relaciones políticas y comerciales con los países que si han otorgado el reconocimiento, que a fin de cuentas son los países más importantes para los intereses de Honduras.
Zelaya debe quedar en el pasado y Honduras debe dedicarse a desarrollar todo su inmenso potencial para salir adelante y poder dar satisfacción a todas las necesidades del pueblo. Es hora de hacer progresar a Honduras y de llevarla por caminos de prosperidad y abundancia. Honduras y su gente se merecen lo mejor.

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www.catrachovenezolano.vox.com

Skype: alvaro_albornoz
Twitter: @catrachozolano

El MAR me habló de su grandeza, de su fuerza y de su inmensidad...Yo le hablé de HONDURAS, de su Pueblo y de sus Instituciones y se sintió pequeño...(Parafraseo del Poema de Jorge Sarabia)

El Socialismo se forja en la envidia, se administra desde la hipocresía, genera la pereza y destruye la riqueza. (A. Rivas, Escritor Argentino)

El Socialismo es la filosofía del fracaso, el credo de la ignorancia, la predica de la envidia, y su virtud inherente es la distribución de la miseria. (Wiston Churchill).

Echemos el miedo a la espalda y salvemos a la Patria (Simón Bolívar)

Para hombres valerosos, fieles y constantes nada es imposible (Simón Bolívar)

17 de junho de 2010

Gato

     Ainda do norte, sobre o velho piso xadrez da cozinha rasteiro bate o feixe da moribunda luz vespertina. Uma bengala branca a tatear. Um gato enrolado.
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    Sutil vibrar do parco ambiente ‑ despertou o ronronar da geladeira. Um frio de arrepiar para quem não vista ao menos uma parca manga comprida.
    Onde encontrará seu gato o surdo sem luz? E em que hemisfério?

8 de junho de 2010

Maceió descarta mais de 1.400 doses de vacina contra gripe suína após falta de luz

Entenda quem puder, essa manchete. Eu a entendi depois de ler o texto explicativo. "Luz" foi empregado como sinônimo de energia elétrica. (Cada letra de manchete custa espaço!) (Folha de 08/06/2010-14h13)

Observe que a vacina não necessita de luz. Nem de energia elétrica, aliás. Precisa de determinada temperatura para sua conservação.

É mais ou menos como:  "Acidentou-se por causa da chuva." Alguém de nós se acidenta por causa da chuva? Acidenta-se por causa da aquaplanagem. Isto, por sua vez, quer dizer que o fulano dirigiu a velocidade muito alta, pelo que a pobre da chuva não tem a menor responsabilidade nem culpa.

Êta manchete!

de dentro do presídio

A Polícia Federal afirma que Zé Roberto comandava o tráfico interestadual de dentro de um presídio no Pará e administrava negócios como bandas de forró, em Fortaleza, e um time de futebol, em Manaus. (Folha, 08/06/2010-16h27)

Uffa! Cem comentários!*

*passam-me pela cabeça!

Aluna de autoescola atropela instrutora e cai em rio de Piracicaba (SP)

Tudo bem. Mas onde ficou o carro? Aliás: teve carro no meio?

Cada manchete! (Folha do dia 8 de junho de 2010)

31 de maio de 2010

Possuir ou ter escoriações?


"De acordo com o soldado, a vítima possui escoriações e hematomas no tórax, abdômen, braços e pernas, mas passa bem. Os criminosos teriam achado que o pintor era um policial disfarçado investigando tráfico de drogas na favela." http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/743653-pintor-e-confundido-com-policial-feito-refem-e-torturado-por-5-horas-na-zona-sul-de-sp.shtml

Pobre dele. Se seu possessor fosse, deles certamente optaria livrar-se. Mas as têm, as escoriações.

21 de maio de 2010

Cooperativismo no RS: algumas dimensões históricas (História)

Artigo sociológico e histórico do Prof. Dr. Telmo Rudi Frantz (Unijuí),
gentilmente cedido para publicação neste blog. 

     Em viagem de férias, tive, mais uma vez, a oportunidade de cruzar as Colônias Italianas e a Região das Hortênsias, fazendo pouso em Cambará do Sul. Depois, descendo a Serra, por Praia Grande, subi o litoral catarinense permanecendo alguns dias na região de Brusque e Blumenau e retornando através dos campos de São Joaquim e Lages.  Fiz o trajeto lentamente, parando e apreciando, além da paisagem, o resultado do trabalho levado a efeito por imigrantes italianos e alemães e tropeiros lusos, ao longo de mais de um século de labuta.  Apesar de se encontrar, por estas paragens, bolsões de pobreza, com famílias em dificuldade econômica, é impossível não se impressionar com a extraordinária dinâmica sócio-econômica visível, particularmente nas regiões que tiveram na agricultura familiar a sua base econômica e sócio-cultural.  O quadro muda quando, deixando as regiões ocupadas e valorizadas com base na pequena propriedade familiar, se ingressa na bela e, aparentemente, vazia região dos Campos de Cima da Serra.  Esta região, como as outras áreas de campo natural no Rio Grande do Sul, foi ocupada mais precocemente, através do sistema das sesmarias e em função da faina com a criação e a comercialização do gado. Consolidou-se aí a grande propriedade pastoril configurando uma região fracamente povoada e bem menos dinâmica do ponto de vista econômico e sócio-cultural.  As mesmas diferenças são visíveis, a olho nu, quando se viaja do Vale do Itajaí, densamente habitado, para os campos de Lages, com suas fazendas dispersas no espaço. Estas diferenças são a expressão dos dois Sistemas Agrários predominantes, historicamente constituídos, no sul do pais, particularmente no Rio Grande do Sul.
O que esta rápida descrição tem a ver com o cooperativismo? Ao chamar a atenção para algumas dimensões históricas do cooperativismo no Rio Grande do Sul, pretendo fazê-lo tendo por pano de fundo as condicionantes que os diferenciados processos de ocupação do espaço gaúcho representaram e ainda expressam.  Elas estão na origem das atuais práticas agrícolas e de seus desdobramentos sócio-econômicos diferenciados; elas condicionaram, fortemente, a dinâmica organizativa das pessoas e grupos envolvidos em cada um destes sistemas agrários.

     Quero explorar a idéia de que a condicionante principal da dinâmica do cooperativismo gaúcho está nas características sócio-culturais dos sistemas agrários e de produção operados pelos sócios efetivos ou potenciais das cooperativas.
     A partir desta idéia básica pode-se analisar e entender melhor as manifestações institucionalizadas do cooperativismo no Estado, principalmente aquelas relacionadas ao processo de produção agropecuário em seu sentido amplo. Ao se estudar a formação histórica do Rio Grande do Sul, levando em consideração as interações da ocupação do espaço com o processo de povoamento, percebe-se um paradoxo: as regiões de mais fácil acesso, as de campo natural, são pouco povoadas e as de mais difícil acesso inicial, como as das matas, são as mais densamente povoadas.  As duas regiões tiveram os seus processos de ocupação defasados temporalmente, iniciando a ocupação das matas (1824) quando as áreas de campo já estavam praticamente todas apropriadas, com exceção da região das Missões.  As duas dinâmicas de povoamento deram origem aos dois sistemas agrários básicos até hoje vigentes no Estado: o pastoril, predominante nas áreas de campo, e o agrícola, predominante nas áreas de mato.  O desenvolvimento de cada um destes sistemas dá-se, de certa forma, autonomamente um em relação ao outro.  Assim sendo, trata-se de sistemas que se originaram cronologicamente defasados e espacialmente justapostos (Bernardes, 1997). Isso ocorreu porque para a elite pastoril, que desde 1734 se apropriara gradativamente do território através da obtenção de sesmarias em troca da ocupação e povoamento dos campos naturais, não havia razões para expandir suas atividades sobre as áreas florestais. Nestas a adequação à pecuária ou à agricultura implicava investimentos superiores aos necessários nas regiões de campo natural onde inicialmente eram quase nulos. Assim sendo, as terras de mato estavam disponíveis para os projetos de colonização no início do século XIX e foram ocupadas por pequenos agricultores que aí desenvolveram um sistema agrário cuja dinâmica não tinha praticamente nenhum vínculo econômico ou sócio-cultural com a pecuária. É, pois, a existência de terras de mato disponíveis que levou os imigrantes a nelas se localizarem. Os estancieiros não se opuseram, pois não precisando de mais trabalhadores, concordaram que os camponeses tivessem acesso à propriedade, desde que esta se localizasse nas áreas que historicamente haviam desprezado para fins de pecuária. Caso tivesse havido, por parte dos estancieiros, interesse em melhorar o manejo de seus campos através da obtenção de forragens e pastagens artificiais, poderiam ter-se interessado pela presença de agricultores em terras de campo.  Estes, sob a modalidade de arrendamento ou outra, poderiam, após um período de produção de grãos, devolver aos estancieiros as áreas cobertas com pastagens artificiais melhoradas. Tal prática ocorreu na Argentina no início do século XIX com a imigração italiana, contribuindo sensivelmente para melhorar a qualidade da alimentação do rebanho daquele país permitindo a introdução de raças melhoradas. Este estado de coisas foi reforçado pelo comportamento do Estado, quando da imigração de agricultores europeus, na medida em que sua intenção era, talvez mais do que a ampliação da produção de alimentos, assegurar a efetiva ocupação das terras de mato. Os conflitos ainda presentes na época, em decorrência da recente conquista militar das Missões por parte dos estancieiros e as dificuldades que a barreira florestal representava para o transporte de gado e de muares, davam sentido a essa preocupação. Assim sendo, mesmo que houvesse, por parte dos estancieiros, interesse na presença de agricultores em suas terras, tal desejo não necessariamente teria sido respaldado pelo Governo através de políticas específicas. Consolidam-se, assim, dois sistemas agrários bem distintos e separados.  Embora houvesse atividades agrícolas nas regiões de campo e atividades pastoris nas regiões de mato, estas não chegaram a constituir-se em componentes indispensáveis ao funcionamento de um ou de outro sistema, mesmo sendo complementares e funcionais.  Foi necessário que transcorressem mais de cem anos para que surgisse, no Planalto, uma integração entre a gricultura e pecuária capaz de assegurar a superposição destas atividades no interior de uma mesma unidade de produção. Estudos recentes realizados pelo Departamento de Estudos Agrários da UNIJUI, constatam que a maior ou menor dinamicidade de um sistema agrário está na dependência do grau e da forma de distribuição do valor agregado gerado na produção agrícola entre os agentes econômicos e sociais envolvidos na cadeia produtiva local.  Em outros termos, significa dizer que, em torno do excedente gerado na agricultura, bem como em função de suas necessidades, podem surgir várias iniciativas que, interagindo, dão origem a uma dinâmica econômica que ultrapassaos exclusivos limites da agricultura, embora dela dependentes.  A agricultura aparece, assim, como estimuladora de outras atividades econômicas em decorrência do consumo de equipamentos, máquinas e insumos necessários ao processo produtivo agrícola. Além disso, a agricultura supõe o transporte, a comercialização e a transformação dos seus produtos, dando origem a um setor “para-agrícola”, cujas características dependem do tipo de tecnologia utilizada na agricultura, do tipo de produto nela predominante e do grau de transformação industrial sofrido por estes produtos.

     O que importa reter aqui é a constatação de que o potencial de multiplicação dos efeitos positivos desta dinâmica é maior quando o processo de distribuição do valor agregado for mais democrático.
     Há, assim, sistemas agrários onde o valor agregado é alto, mas, em vista de sua apropriação concentrada, gera baixos efeitos sobre a economia e a sociedade locais, contribuindo pouco para o desenvolvimento local ou regional. O que se percebeu, para o caso específico do Rio Grande do Sul, foi o fato de os sistemas de produção baseados na atividade familiar apresentarem uma maior capacidade de fazer circular amplamente e localmente a renda gerada.  Este fato, dentre outros, explicaria a maior dinamicidades das comunidades das regiões onde se implantou a pequena agricultura familiar.  Esta modalidade de organização, mais democrática em sua base econômica, em decorrência da multiplicação de propriedades de igual tamanho, assegura, de um lado, uma distribuição mais eqüitativa da renda e, de outro lado, a necessidade de mais bens e serviços possíveis de serem produzidos localmente.  Tudo isso origina uma dinâmica econômica intensa de produção manufatureira e industrial e de trocas locais que estão na origem de um processo intenso de urbanização das regiões coloniais e da sua capacidade de gerar riquezas crescentes e que se tornam manifestas e visíveis através de suas cidades, vilas e distritos.  O capital social que aí se implantou ao longo da história está expresso em sua infraestrutura socioeconômica e cultural e é mais rico e diversificado do que o das regiões onde predomina a pecuária extensiva. É compreensível, pois, que comportamentos cooperativos se manifestem mais efetivamente nas regiões onde se desenvolveu um Sistema Agrário baseado na pequena propriedade familiar. Ai a densidade populacional e as atividades produtivas diversificadas foram capazes de gerar demandas locais sem que, com isso, deixassem desvincular-se ao mercado nacional através de um ou outro produto de destaque, qual seja, o vinho e a banha entre os italianos e a banha e o fumo entre os alemães.
     Assim, antes mesmo do surgimento do cooperativismo, formalmente institucionalizado, foram as características de acesso democratizado à propriedade e a conseqüente distribuição mais eqüitativa da renda que geraram comportamentos cooperativos e de solidariedade.
    
Não se trata, portanto, da cooperação como opção ideológica a priori.  Trata-se do fato de se ter criado uma base material que gerava e exigia modalidades de interdependências entre os agricultores e destes com outras pessoas e organizações capazes de responder às suas demandas econômicas, sociais e culturais.  As cooperativas que nascem neste contexto são, portanto, fortemente condicionadas pela base econômica democrática e eqüitativa destas sociedades rurais. Elas expressavam, em si mesmas, através de seu funcionamento, formas organizativas com alto conteúdo cooperativo e solidário. Embora envolvidos na dinâmica da produção de mercado e condicionados pelas políticas estaduais e nacionais, apresentavam uma dinâmica local específica e uma energia endógena suficientemente forte para dar origem às extraordinárias comunidades exemplificadas no início do texto. Em decorrência de tudo o que foi dito até aqui, o cooperativismo - seja ele de crédito, de consumo ou outro - apresenta, nas regiões onde predomina a pequena propriedade familiar, uma maior incidência e maior sucesso do que nas regiões de campo, fracamente povoadas e com dinamismos econômicos locais menores.  Não é por acaso que as ideias cooperativistas encontraram nestas comunidades maior respaldo e impacto. O cuidado que convém ter é o de não querer enquadrar experiências bem sucedidas em esquemas ideológicos pré-fabricados e inadequados a realidade destas comunidades. Tendo em vista a dinâmica mais abrangente da organização econômica e social da vida dos pequenos agricultores tem-se a presença, neste tipo de organização, de uma solidariedade muito forte. Inspirando-nos em Durkheim, poderíamos dizer que, nos primórdios da colonização, esta solidariedade era, em grande parte, do tipo mecânica, porque se originava das grandes semelhanças entre os membros individuais, semelhança identificadora do grupo e baseada numa forte consciência de identidade.  Mas, com o rápido desenvolvimento da agricultura dos colonos e sua inserção no mercado nacional, houve, em seu meio, uma aceleração da divisão de trabalho, com apresença de uma maior diversidade de pessoas e grupos (comerciantes, artesão, industriais etc.), dando origem a um novo tipo de solidariedade, baseado “na complementação de partes diversificadas”, ou seja, a solidariedade orgânica.  Enquanto se identificam como grupo onde predominam as semelhanças no que se refere à propriedade da terra, formas de produzir, tipos de cultura, valores e referências religiosas comuns, fica reforçada a solidariedade mecânica.  Na relação do grupo, assim identificado, com o mercado e seus representantes, cuja dimensão e racionalidade muitas vezes lhes escapam, mas com o qual necessitam transacionar, desenvolve-se a solidariedade orgânica.  Com o tempo, é esta última que se impõe cada vez mais sem que, no entanto, desapareçam totalmente aspectos ou traços da solidariedade original (Lakatos, 1982 : 43).  Numa perspectiva marxista, na qual se sobrepõe o conceito de classe social, se poderia trabalhar com os conceitos de “classe em si” e de “classe para si”.  Com a crescente divisão de trabalho no seio das colônias e ao aparecerem os primeiros sinais de diferenciação social entre o grupo e o enriquecimento, principalmente de comerciantes, os colonos irão, pouco a pouco, perceber-se como um grupo com interesses específicos e muitas vezes antagônicos aos de outros membros da “comunidade” local ou supra-local, desenvolvendo formas de organização para defender seus interesses específicos. Daí surgem as antigas cooperativas mistas - de produção e de consumo que levam o agricultor a organizar-se para escapar ao que entende ser a exploração do comerciante local. Em síntese, os pequenos agricultores proprietários, que, produzindo um valor agregado cuja distribuição é mais equitativa do que a que ocorre em regiões de concentração fundiária, conseguem construir economias locais diversificadas econômica e culturalmente. Esta diferenciação leva à constituição de classes sociais e impõe modalidades de solidariedade orgânica sem que, entre “iguais” desapareça a solidariedade mecânica. Estas economias locais são competitivas e demonstram, ao longo da história, uma grande capacidade de inovação tecnológica. Dão origem a dinâmicas de desenvolvimento local que se baseiam numa convivência em que a solidariedade mecânica e a orgânica se entre cruzam. Estas formas de solidariedade que estão ancoradas numa base material bastante democrática, torna o meio colonial um espaço onde formas de organização solidária formais vicejam com relativa facilidade. Mais recentemente (pós 1960) desenvolvem uma consciência de classe que se expressa através do movimento sindical e de outros movimentos sem que, no entanto, as formas precursoras de solidariedade desapareçam totalmente. Schneider & Konzen (2000) fazem referência a três elementos ou dimensões que devem ser destacados ao se analisar a genealogia do cooperativismo agrícola no Estado. A primeira dimensão refere-se à “reação dos colonos ao controle dos intermediários, principais agentes de acumulação e representantes do capital mercantil nas colônias, contra as fraudes de comercialização e a conseqüente desvalorização dos produtos coloniais nos centros urbanos” (Schneider & Konzen, 2000 : 9). O segundo aspecto destaca a “experiência e ideologia cooperativista” que os pioneiros Pe.  Amstad e Dr.Paterno “ajudaram a transplantar de Europa para as regiões de colonização ítalo-germânica” (Schneider & Konzen,2000 : 9). O terceiro elemento genealógico refere-se à ação do Estado enquanto estimulador da organização cooperativa. Estas três dimensões, constantemente presentes em todas as etapas do desenvolvimento do cooperativismo no Rio Grande do Sul, adquirem, nos cenários da pequena agricultura familiar, características específicas em suas distintas fases. Assim, quando em 1900 o Pe. Amstad promove a fundação da primeira Associação de Agricultores e a subseqüente criação de várias cooperativas de crédito, ele o faz, como bem lembram Schneider & Konzen (2000 : 4), sustentando-se na identidade e na solidariedade religiosas.  Embora as dificuldades econômicas fossem a maior razão, era necessário consolidar a iniciativa fazendo apelo a certos aspectos da solidariedade mecânica presente na vida cotidiana dos agricultores. Alguns princípios do cooperativismo, como, por exemplo, o de cada associado ter direito a um voto, independentemente de sua capacidade de poupança, correspondia fortemente à experiência de vidados colonos nas suas relações internas enquanto grupo de “iguais”. É preciso destacar, embora pareça óbvio, que a criação de cooperativas de crédito e sua multiplicação pelo Estado mostra que as colônias geravam um excedente importante. No entanto, grande parte do mesmo terminava por concentrar-se nas mãos do comércio intermediador. Esta relação, prejudicial ao colono, foi detalhadamente analisada por Pesavento (1983).  Por outro lado, convém relembrar que o desenvolvimento do comércio e da indústria, nas regiões de pequenos agricultores, foi um fato de extrema importância para dar origem às comunidades economicamente diversificadas e relativamente ricas de várias das regiões coloniais. Embora o comércio e a indústria tenham conseguido realizar uma acumulação mais significativa que os colonos, e muitas vezes às custas deles, o fato de se desenvolver localmente, enquanto assegurava uma relação com o mercado mais amplo, tornou as regiões de colonização bem mais pujantes do que as relacionadas ao Sistema Agrário pastoril do Rio Grande do Sul. Tendo em vista a “perenidade” das relações contraditórias entre colonos, comerciantes e industriais, era de se esperar que o cooperativismo tivesse um ritmo de crescimento constante.  Não foi o que ocorreu. Segundo Pesavento (1983), o que ocorreu ao longo de século XX foi o crescimento por surtos que correspondem aos anos 1911, 1929, 1957.  Estes surtos ocorrem quando há problemas com o mercado dos produtos que são predominantes nas colônias e estratégicos para o Estado.  Em 1911 e em 1929, por exemplo, há sérias dificuldades para colocar o vinho gaúcho no mercado nacional.  Foram dificuldades que tanto afetaram os agricultores quanto os comerciantes locais, embora estes tivessem alguns mecanismos de defesa a mais do que os colonos. É também nesses momentos que se destaca mais fortemente a ação do Estado no apoio ao cooperativismo.  Este se preocupa na medida em que a redução do valor das vendas dos produtos coloniais passa a afetar a arrecadação de impostos. Além disso, essas crises conseguiam assegurar alguns apoios novos e até surpreendentes à criação de cooperativas.  No caso específico da crise do vinho em 1911,
“o movimento cooperativista contou com a iniciativa do Ministro da Agricultura e Comércio, Pedro de Toledo, que propiciou a vinda da Itália do Dr.  Stefano Paterno,em 1911, a fim de organizar cooperativas de pequenos agricultores. O apoio do Ministério da Agricultura e Comércio, assim como da Sociedade Nacional da Agricultura, onde se faziam presente os interesses do café, deve ser entendido à luz da preocupação do centro na divisão nacional do trabalho, ou seja, na viabilização do Rio Grande como “celeiro do país”, especializado na produção de gêneros de subsistência para o núcleo central de exportação. No plano regional, o movimento cooperativista teveo apoio do presidente do Estado (na ocasião Carlos Barbosa Gonçalves), do chefedo PRR (Borges de Medeiros), da Associação Rural de Pelotas e do Centro Econômico do Rio Grande do Sul, entidade que englobava pecuaristas e comerciantes e que, notoriamente defendia os interesses do capital.  Através de lei 103 de  19/12/1911, o governo estadual isentou as cooperativas de impostos territoriais, industriais e de exportação, além de estabelecer prêmios para estimular o aumento da produção” (Pesavento, 1983 ; 38).
     Como se pode perceber, o apoio dava-se na medida em que mais interesses  estavam em jogo. Mas na seqüência sabe-se, também, que foram algumas destas razões, principalmente as de ordem política, que inviabilizarama  permanência, por exemplo, do Dr. Paterno no Rio Grande do Sul, após 1916.     Na crise de 1929, a ação do Governo, principalmente a do federal, não foi tão incisiva. O Governo gaúcho apoiava a criação de cooperativas na medida em que as mesmas contribuíssem para melhorar a qualidade do vinho, exigindo a introdução de melhoras técnicas tanto na produção da uva quanto na fabricação do vinho. Outros exemplos poderiam ser citados para chamar a atenção ao fato de que os surtos cooperativistas ocorreram por ocasião da crise de determinados produtos quando, então, o Estado passa a ter uma atuação mais efetiva. Assim, poder-se-ia analisar o caso do surgimento das cooperativas tritícolas, em 1957, no bojo de uma crise na produção e no mercado do trigo.  Foi o decisivo apoio do Governo Federal à criação de cooperativas que assegurassem a comercialização do produto, que esteve na base daquele movimento (Frantz, 1982). Lideranças religiosas estiveram presentes em muitas iniciativas cooperativas ao longo do século XX.  O seu papel, enquanto catalisadores de iniciativas que visavam institucionalizar aspectos da solidariedade vivida pelos colonos, foi importante.  Não só o foi na medida em que havia um reforço recíproco entre religiosidade, solidariedade e cooperativismo, mas também porque estas iniciativas contribuíram para que houvesse uma melhora na distribuição localdo excedente gerado pela agricultura. Diante de tudo que foi dito até aqui, podemos concluir dizendo que a dinâmica do cooperativismo agrícola no Rio Grande do Sul sempre foi mais forte e significativa nas regiões onde predominou a pequena propriedade familiar. Isso ocorreu porque a base material desta modalidade de produção e organização social assegurava uma apropriação mais eqüitativa da renda agrícola dando origem a dinâmicas econômicas de crescimento constante, como se pode observar pela evolução histórica das cidades destas regiões.  Além disso, essa base democrática e eqüitativa permitiu o desenvolvimento de comportamentos de maior solidariedade os quais eram favoráveis ao sucessodos empreendimentos cooperativos.     Apesar disso o cooperativismo gaúcho não teve um desenvolvimento persistente e continuado através do tempo. Deu-se por surtos decorrentes, em geral, da crise de mercado dos principais produtos agrícolas de um determinado Sistema Agrário. Finalmente, a ação de apoio ao cooperativismo por parte do Estado tem sido mais efetiva quando produtos de seu interesse estratégico se defrontavam com dificuldades de mercado.  Fora isso, os produtores necessitavam ancorar-se em suas próprias energias e recursos.  Isso significa dizer que, na maior parte do tempo, não convém esperar ações efetivas de apoio do Estado.

BIBLIOGRAFIA
BERNARDES, N.  Bases geográficas do Povoamento do Rio Grande do Sul.  Ed.  UNIJUI, Ijuí, 1997.
FRANTZ, Telmo Rudi.  Cooperativismo empresarial e desenvolvimento agrícola.  Petrópolis, Vozes, 1983.
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PESAVENTO, Sandra Jathay.  RS: agropecuária colonial & industrialização.  Porto Alegre, Mercado Aberto, 1983.
SCHNEIDER, José Odelso; KONZEN, Otto Guilherme.  100 anos de cooperativismo no Rio Grande do Sul.  100 anos de experiência solidária.  In: Relatório do I Congresso Gaúcho de Cooperativismo e de Associativismo e dos Atos Comemorativos dos 100 Anos do Associativismo Rural.  Nova Petrópolis, OCERGS, out.  2000.